A articulação política de indígenas no Equador
Por Caio Oliveira, Lethicia Amâncio, Stephanie Stanzig
Desde sua colonização, os povos originários equatorianos foram explorados e, mesmo depois da independência, 7% dos habitantes do país – cerca de 17 milhões de pessoas – se declaram enquanto indígena. Ainda assim, o Equador não reconhecia a importância e o valor que essa parcela de sua população possuía enquanto figura representativa da cultura nacional.
O presente artigo busca analisar a participação da população indígena na política doméstica do Equador. Este buscará, através de marcos históricos e movimentos políticos, mostrar o poder que os povos originários construíram dentro do cenário político equatoriano com muita luta e resistência.
Ainda após sua gênese, em 1830, o Estado equatoriano manteve uma relação tensa e irresoluta com os chamados “povos originários”. Estes eram vistos como um problema e um obstáculo para o progresso, da maneira em que este era entendido pelas elites. Nos múltiplos intentos de “projeto nacional modernizante” que ensaiou o Equador ao longo dos séculos XIX e XX, a solução do “problema indígena”, passou por educar-los, é dizer, civilizar-los, submetê-los a um processo pelo qual deixassem de ser índios. baseou seu sistema constitucional no modelo liberal clássico, que parte do princípio de igualdade e faz do cidadão o centro do sistema de direitos (Gargarella, 2004).
Este modelo, que esteve vigente ao longo de toda a vida republicana e em todas as constituições que teve o país, converteu-se em outra brecha dentro da relação entre os “nativos” e o Estado. A priori, os indígenas não gozaram de plenos direitos de cidadania devido a distintos mecanismos de exclusão, que se não os marginalizavam diretamente, os deixavam de fora da suposta cidadania porque o grosso da população indígena não cumpria com os requisitos exigidos na Constituição de 1830: estar casado ou ser maior de 22 anos, dono de propriedade ou exercer uma profissão sem sujeição a outro e não ser analfabeto. Como é evidente, na época, nenhum indígena cumpria tais determinações.
Após a primeira reforma agrária, que teve resultados poucos expressivos para o povo indígena, a fragmentação ocorrida em 1980 era um demonstrativo da descrença na possibilidade de que seus direitos seriam representados e contemplados da maneira correta. No entanto, foi então, em 1987, que surgiu uma entidade que unisse os interesses regionais de cada população e levasse suas reivindicações para o âmbito nacional, nasce a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). No que tange os processos de (re)construção de uma identidade coletiva com caráter estratégico que atua, ora compondo a burocracia governamental, ora à margem da política institucional, desafiando a ordem de dominação por meio de estruturas de mobilização específica que dotam de sentido a ação individual e coletiva.
O movimento de se organizar enquanto unidade foi um passo de uma importância para que os povos originários tivessem uma voz, mas ainda faltava a representatividade política tão sonhada. Diante disso, a Confederação tem no Pachakutik seu braço político de esquerda, criado em 1995. Antes de 1996, a Conaie não confiava muito nos políticos e desconfiava daqueles que procuravam se envolver na política. Rumores começaram dentro da organização para se adaptar ao processo político, mas uma lei foi aprovada em 1995 pela Conaie proibindo membros de concorrer a cargos políticos. Em 1996, a Conaie reverteu sua posição sobre eleições e desempenhou um papel importante na formação da Pachakutik.
Com direção da Conaie, os indígenas tomaram em 1990 a igreja de Santo Domingo, em Quito, e fecharam ruas. Entre outros pontos, eles exigiram acesso a fontes de água, legalização de terras e o reconhecimento do Estado Plurinacional, que define as nações indígenas como partes independentes e constitutivas do país, onde se relacionam interculturalmente. O levante ocorreu numa conjuntura interna específica: o Equador vivenciava uma crise econômica profunda – fruto de sua histórica dependência estrutural e do aumento de seu endividamento externo, agravada, nos últimos anos, pela adoção de políticas neoliberais que trouxeram conseqüências ainda mais danosas para a grande maioria da população equatoriana, como o aumento do desemprego, a queda na renda dos trabalhadores e o aumento da pobreza, que atingiu patamares alarmantes.
A derrubada dos Golias
Assim como a tomada da igreja de Santo Domingo, os grupos indígenas, liderados pela Conaie, foram para as ruas diversas outras vezes no decorrer da história equatoriana. Com uma forte articulação e pressão política, o grupo participou da derrubada de três presidentes desde o fim dos anos 1990.
Em 1997, o presidente Abdalá Bucaram foi destituído seis meses após ter assumido o cargo. O processo foi decorrência de protestos articulados por organizações, entre elas a Conaie. A população estabeleceu greve geral e comunidades indígenas fizeram bloqueio das estradas, o que dificultou o abastecimento de cidades. O presidente foi impeachmado por acusações de corrupção.
O presidente eleito depois de Bucaram foi Jamil Mahuad, que enfrentou uma grave crise econômica no país. Com essa justificativa, Mahuad cortou 60% do orçamento militar e promoveu uma série de medidas propostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A inflação atingiu mais de 60% no país, a moeda desvalorizou e o PIB caiu, por essa razão, mais uma vez a população foi às ruas e, aliado aos militares insatisfeitos, indígenas articulados pela Conaie tomaram o Congresso Nacional em 2000. Mahuad decretou estado de emergência no país e deixou o poder.
Um dos militares que protestaram contra Mahuad foi Lucio Gutierrez, que assumiu a presidência do Equador entre 2002 e 2003. Durante esse período, membros da Conaie teve maior presença dentro do governo ao ocuparem cargos nos Ministérios das Relações Exteriores e Ministério da Agricultura. Apesar do bom relacionamento, em 2005 a Conaie mais uma vez participou de uma onda de manifestações que acusavam Gutierrez de violar a Constituição e interferir no sistema judiciário. O presidente foi deposto no mesmo ano.
Essa aproximação e depois distanciamento também aconteceu na relação entre a Conaie e o presidente Rafael Correa entre 2007 e 2017. Correa se aproximou de lideranças indígenas, adotou símbolos quíchuas – etnia da maioria dos indígenas do país – em seus discursos e aparições públicas e aprovou leis de interesse da comunidade. Entretanto, a partir do segundo mandato, a exploração mineral da Amazônia equatoriana abriu uma cisão entre Correa e a Conaie. Como decorrência, mais uma marcha foi convocada contra o então presidente, em 2015.
Neste século, ainda existem aldeias sem eletricidade ou água potável em território equatoriano. Cerca de 50% das crianças indígenas com menos de quatro anos sofrem de desnutrição crônica, segundo estatísticas do Ministério da Saúde do país. Por essa razão, as manifestações da população e o forte engajamento de comunidades indígenas na política é uma realidade no Equador. A criação da Conaie e as articulações desse grupo são uma forma de resistência e sobrevivência em um país que, assim como o resto da América do Sul, teve a população originária dizimada. Um dos traços comuns das ondas de manifestação indígenas no Equador é a presença de mulheres e crianças no meio dos protestos, nas ruas e correndo de gás lacrimogêneo, este é apenas o reflexo de um povo que luta pelo próprio futuro.
Eleições 2021
Com um primeiro turno bastante marcado por uma divisão entre as esquerdas, acreditou-se que o segundo turno seria disputado acirradamente entre Yaku Pérez (candidato do movimento indígena) e Andrés Arauz (candidato do partido Unión por la Esperanza), essa disputa representaria uma forte transição de uma esquerda tradicional para uma esquerda mais voltada em questões atuais.
O candidato ambientalista Yaku Pérez Guartambel afirmava a necessidade dos equatorianos usem menos carros e plantarem mais árvores. Ele propunha, ainda, o fim da mineração no país e uma restrição à extração de petróleo. O candidato que do Pachakutik – que surgiu como uma nova face da esquerda equatoriana – foi crítico ao movimento correísta por sua dependência do extrativismo.
Todavia, o segundo turno surpreendeu os analistas políticos, uma vez que, Guillermo Lasso venceu. A perda de apoio da esquerda equatoriana é um enérgico resultado da divisão da mesma, já no primeiro turno.
O atual presidente eleito venceu por 400.000 votos, através da tática de juntar forças a fim de destruir um inimigo em comum. Os votos recolhidos na apuração de 11 de abril de 2020 são resultado, sobretudo, de um forte sentimento de anti-correismo, marcado pela forte corrupção no mandato do ex-presidente Rafael Correa, membro do partido esquerdista Alianza País.
O anti-correismo apesar de ter sido uma valiosa tática de campanha eleitoral para Lasso, em contrapartida, significou o fracasso do movimento indígena passando uma impressão de uma esquerda dividida ao mesmo tempo que favoreceu a direita com “voto nulo ideológico” proposto pela Conaie.
O novo presidente prometeu criar empregos por meio de investimento estrangeiro e apoio financeiro ao setor agrícola. Outrossim, Lasso assume com um cenário caótico “…com altos índices de pobreza: segundo dados oficiais, 32% dos equatorianos estão em situação de pobreza, enquanto 15% vivem na pobreza extrema, com renda de até US$ 1,50 por dia”(GAZETA DO POVO, 2021).