A ascensão da esquerda no Peru: Abordagem histórica e as perspectivas políticas no pós-eleições de 2021

A ascensão da esquerda no Peru: Abordagem histórica e as perspectivas políticas no pós-eleições de 2021

Por Érico Rocha, Lys Daniel e Vítor Ponte

Com a vitória do partido Peru Livre, ligado à esquerda latina, nas eleições de 2021, representados pelo professor sindicalista Pedro Castillo, derrotando o partido de direita Força Popular, o Peru passa a ter novas perspectivas de mudança com o que pode vir a ser seu primeiro governo de esquerda. Para avaliarmos o contexto político em que o Peru se encontra atualmente, revisitamos seu histórico de governos e líderes que contribuíram de forma significativa para o estado no qual o país se encontra atualmente, buscando entender os motivos pelos quais a esquerda jamais obter de fato êxito e a razão pela qual as eleições de 2021 quebraram este paradigma.

A esquerda histórica

A esquerda peruana organizada, por assim dizer, ganhou espaço na história política do país já no início do século XX. Após um grande período de estabilidade, que durara do fim do processo de independência até a década de 1920, deu-se início a um período autoritário, sob comando de Augusto Bernardino Leguía, eleito presidente do Peru. No entanto, com o surgimento da Grande Depressão de 1929, que se alastrou por toda a década de 1930, Leguía viu seu governo desmoronar, dando espaço a movimentos como a APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), um movimento político filiado à Internacional Socialista, que, após ganhar espaço na política peruana, se tornou um partido, hoje Partido Aprista, que, contou, por exemplo, com a liderança de Alán García. O embrião do que podemos chamar de uma ‘’esquerda essencialmente peruana’’ surgiu nesse período, rivalizando com as elites e com os militares, marcando as três décadas seguintes.

Nos anos 1960, tivemos o governo de Fernando Belaúnde Terry, um democrata que foi deposto por um golpe que originou a Ditadura Militar Peruana, que durou de 1968 a 1980, em um período no qual grande parte dos países latino-americanos viviam sob a mesma égide. Juan Velasco Alvarado foi o arquiteto desse golpe e governou de 1968 a 1975, colocando o Peru nos eixos de desenvolvimento sob os moldes capitalistas, com características progressistas, algo que não foi possível de observar nos outros países que viviam sob Regime Militar. Foi nessa época que houveram incentivos às convenções sindicais, movimentos sociais e Reforma Agrária. Com a deposição de Alvarado, veio o segundo período da Ditadura Militar Peruana, sob comando de Francisco Morales Bermúdez, que ficou marcado como o fim de todas essas conquistas populares, havendo repressão aos movimentos de trabalhadores e medidas tipicamente de direita liberal.

A radicalização e o terrorismo associado à esquerda

Com a democratização do país pós-Ditadura Militar, voltou ao poder o então presidente Belaúnde Terry, que, com a chegada da crise econômica, assistiu ao surgimento de movimentos radicalizados de viés esquerdista, tais como o Sendero Luminoso (PCP-SL) e o MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amarú). O primeiro, associado ao Partido Comunista do Peru, surgiu na década de 1960, com forte caráter maoísta e influenciado por grupos ideológicos de universidades. Apesar de já existir durante o Regime Militar, passou a agir de maneira mais incisiva após os anos 80, promovendo boicotes e ataques às seções eleitorais e recusando-se a participar do processo democrático. Além disso, sua área de influência era grande, abrangendo áreas rurais e urbanas, tais como as periferias da capital, Lima. Já o MRTA, fundado em 1984, era de orientação marxista-leninista e possuía um escopo de ação similar ao PCP-SL, com atentados, sequestros e grupos guerrilheiros nas cidades e no campo. Durante o governo de Alberto Fujimori, o movimento ocupou a embaixada japonesa no Peru, sendo um dos eventos mais marcantes da organização.

Sob os governos de Belaúnde Terry (1980-85), de Alán García (1985-90) e Alberto Fujimori (1990-2000), esses grupos enfrentaram fortes repressões, que contavam com violações dos Direitos Humanos, de maneira similar às outras Ditaduras latino-americanas do período. Foi principalmente a partir da regularmente reconhecida Ditadura de Fujimori que ocorreram as maiores violências entre as forças estatais e os grupos esquerdistas. A própria crise constitucional estabelecida em 1992 foi orientada por uma perseguição ostensiva aos chamados “terroristas domésticos’’ e por um amplo anticomunismo firme. O saldo desses conflitos foi de aproximadamente 70.000 vidas perdidas, de forças públicas e de rebeldes, o que foi, certamente, um dos maiores movimentos de guerrilha da América Latina.

Mais especificamente durante o período ditatorial de Alberto Fujimori, que compreende o pós-autogolpe em 1992, durando até o fim do governo em 2000, houve perseguição política e dissolução de algumas instituições políticas, como a FREDEMO, uma frente democrática fundada majoritariamente por jovens que gostariam de uma alternativa democrática para as eleições gerais de 1990. Outras medidas de censura aos opositores foram tomadas pelos fujimoristas, incluindo o exílio de Alán García, ex-presidente e líder da APRA. Seu primeiro mandato inclusive foi marcado por mais de 3.000 peruanos mortos por questões políticas. As eleições de 1995, por outro lado, foram um marco para a população do Peru, que começou a se despertar e reconhecer as barbaridades que vinham ocorrendo durante o governo, dando atenção às questões de liberdades individuais e de imprensa, principalmente. Além disso, surgiram acusações de possível criminalidade associada ao líder nipo-peruano, como foi o caso de um escândalo envolvendo o Serviço Nacional de Inteligência, que teria mobilizado o exército a favor de forças políticas fujimoristas, sendo o Peru o país no qual as Forças Armadas estavam mais politizadas na América Latina. Quanto aos movimentos de esquerda, é necessário ressaltar que foi durante o processo de autogolpe que o líder do Sendero Luminoso Abimael Guzmán foi capturado pelas forças policiais do Estado, o que gerou um processo de enfraquecimento da ação do grupo, passando a perder área de influência territorial para os ronderos e tendo seus principais líderes ou capturados ou mortos.

Pós-fujimorismo

No período após a Era Alberto Fujimori, assumiu Alán García, uma liderança socialista que inclusive já presidiu a Internacional, contribuindo para que a esquerda aprista fosse resgatada no cenário político peruano, mesmo após décadas de neoliberalismo ditatorial sob o fujimorismo, período no qual García havia sido exilado. Seu governo ficou marcado por poucas ações de fato esquerdistas, pois ele estimulou a assinatura de acordos de livre comércio além de atrair investimentos estrangeiros. A abertura comercial possibilitou que o Peru crescesse economicamente e que houvesse uma radical redução da pobreza, de 41% em 2006 para 27% em 2011. No entanto, uma grande decepção para seus companheiros da esquerda aprista foram os conflitos durante esse segundo governo de García nas questões socioambientais, onde se desenvolvia a mineração e exploração de hidrocarbonetos.

Após García, o esquerdismo brando permaneceu presente, agora, com o uso de fardas, sob Ollanta Humala. Fundador do Partido Nacionalista Peruano, Humala recebia apoio de lideranças populares da América Latina, como é o caso de Evo Morales e Hugo Chávez, além de se inspirar fortemente em Luís Inácio Lula da Silva, então presidente do Brasil. Um fato peculiar desse período é a união entre o militarismo e o esquerdismo, algo que, na América Latina parecia impossível, dado que a maioria dos países que tiveram Regimes Militares entre as décadas de 1960 e 1980 o viam bastante associado à direita e ao liberalismo. Porém, muito devido à dependência do Peru com o exterior, seu governo viu a aprovação popular despencar de 50% a 30%, em muito motivado pelos benefícios oferecidos à empresas mineradoras estadunidenses, além da ampliação da participação do setor privado na educação, dando uma sensação de “traição’’ aos ideais esquerdistas do país. Uma das poucas conquistas que realmente ajudaram o trabalhador médio peruano foi a elevação do salário mínimo ocorrida durante seu governo. De qualquer maneira, por muitas pessoas, principalmente por aquelas da elite fujimorista da capital Lima, o governo Humala foi visto como até mesmo mais corrupto que o de Alberto Fujimori, principalmente em razão da Operação Lava Jato, que, dentre outros políticos, descobriu repasses ilegais de verba a ex-presidentes peruanos, incluindo Humala e García.

A crise política e os movimentos de massa

A partir do ano de 2016, dada a vitória de Pedro Pablo Kuczynski (PPK) sobre Keiko Fujimori, desencadeou-se uma grande crise política que tem efeitos claros até os dias de hoje. Nesse período, a centro-direita foi vitoriosa nas eleições presidenciais mas não conseguiu a maioria dos assentos no Congresso Nacional, o que já abalava o início do mandato de PPK. Os escândalos relacionando ex-presidentes e até mesmo o próprio presidente em exercício abalaram a opinião pública e os congressistas, fato que resultou na abertura de dois processos de impeachment, que levaram Kuczynski à renúncia em março de 2018, fazendo com que Martín Vizcarra, o então vice-presidente, assumisse o cargo. Após conflitos com o legislativo e dificuldade para governar, Vizcarra, já em setembro de 2019, tentou promover a dissolução do Congresso peruano, cuja grande maioria fazia parte da oposição ao seu governo. Entretanto, em novembro de 2020, após diversas tentativas, o Congresso consegue destituir Vizcarra da presidência, com o processo de impeachment acusando-o de “incapacidade moral”. A partir daí, Manuel Merino, o então Presidente da Casa Legislativa do Peru assumiu o cargo, fato que gerou profunda insatisfação nos peruanos, que protestaram intensamente com uma mobilização de multidões nas principais cidades do país, fazendo com que o mesmo desistisse da presidência 6 dias após assumir o cargo, levando os congressistas a elegerem um novo líder do Executivo, no caso, Francisco Sagasti – membro do único partido que votou contra o impeachment de Vizcarra – com o objetivo de controlar a instabilidade política do país até o fim de julho de 2021, quando ocorreriam as próximas eleições presidenciais.

As eleições de 2021

A crise sem precedentes, iniciada de maneira mais forte em 2017, levou os peruanos ao cenário no qual haviam duas opções: o fujimorismo repaginado de “centro-direita’’ e um sindicalismo voltado para o trabalhismo, bastante ligado à esquerda latino-americana. O nome de um professor nascido em área rural pareceu agradar os peruanos quando foram lançadas as candidaturas, visto que ele liderava as intenções de voto por 20 pontos percentuais, segundo pesquisas. Pedro Castillo, muito ligado aos sindicatos, é conservador no campo social assim como Keiko Fujimori, mas suas propostas econômicas diferem bastante daquelas adotadas pelo governo Fujimori nos anos 1990. Como resultado de campanhas ostensivas contra o nome de Castillo, incluindo uma possível implantação do comunismo caso ele fosse eleito, fizeram com que Keiko diminuísse a distância, criando um segundo turno bastante indefinido.

No entanto, durante sua campanha, o professor reafirmou seu respeito às Instituições, à propriedade privada e ao Mercado. Membro de um partido pouco relevante no cenário político peruano, o Peru Livre, de viés marxista-leninista, afirmou categoricamente que priorizará investimentos massivos na saúde e na educação, além do combate à corrupção caso fosse eleito. A questão ambiental, contrário à exploração extrativista por parte de empresas estrangeiras, é ponto crucial de seu plano de governo, que pretende que essas empresas passem a investir parte de seu lucro no país. Por ter um passado nos sindicatos, como um homem de diálogo entre os professores e os congressistas, quer incentivar os sindicatos no Peru, algo que vem sendo esquecido pelos últimos governantes, sendo comparado por muitos estudiosos ao Evo Morales, ex-chefe de Estado da Bolívia.

Abordando um pouco mais o seu partido, o Peru Livre (PL), podemos constatar que é um partido criado em 2008, ou seja, bastante novo, que ainda não conquistou cadeiras no Congresso e pouquíssimos cargos executivos. O partido segue orientação mariateguista, de influência de uma liderança política e intelectual peruana, José Carlos Mariátegui, que, além de ter escrito vários livros sobre assuntos de filosofia e ciência política, fundou o Partido Comunista Peruano (PCP) e defendeu bastante as massas do país, analisando, dentre outras coisas, que o sistema “gamonal’’, utilizado pela Coroa Espanhola na época colonial, explorava os indígenas e os camponeses de baixa renda. Adotando o pensamento gramsciano, herança do mariateguismo, conseguem se distanciar de uma chamada “esquerda caviar’’ pois está focado na questão da miséria e da exploração dos trabalhadores, como a esquerda mais tradicional do início do século XX.

O resultado das eleições, apesar de definido, não é oficial, mas aponta vitória de Pedro Castillo, que inclusive já comemorou com apoiadores e disse ter vencido o processo eleitoral. Sua vantagem de apenas 41.000 votos em um país com 32 milhões de habitantes é questionada por sua adversária, que entrou com diversos pedidos na Justiça Eleitoral para que os votos sejam anulados. Além do temor de uma manipulação das eleições comandada pelos aliados de Keiko Fujimori, há também uma tensão presente nas Forças Armadas, que viu um grupo de militares assinar uma carta pedindo que o exército tome o poder para proteger a população de uma “ameaça comunista’’ representada pela vitória da esquerda.

Sua provável vitória explicita uma característica sobre a relação da população peruana com as principais forças de esquerda do país. Pedro Castillo não é associado à chamada “esquerda identitária’’, das pautas raciais, sociais e de gênero, presente em boa parte do ocidente. Ele, ao contrário dessa ala ideológica, condena o aborto, o casamento homossexual e a eutanásia, em uma espécie de esquerdismo “conservador moralmente’’. Com a maior atenção dada às questões econômicas, de redução da desigualdade focada na ação do Estado, resgata as tradições já citadas no texto anteriormente, quando Juan Velasco Alvarado deu força aos sindicatos e à iniciativas de Reforma Agrária ou quando Alán García e os apristas assumiram o poder pré e pós-Fujimori. Fora isso, há também uma paranoia presente entre as pessoas – muitas vezes motivada pelas lideranças de direita – de que um governo de viés esquerdista estaria sempre acompanhado de um golpe que instauraria o comunismo no país, em uma relação às décadas de 1970, 1980 e 1990, quando os movimentos indiscutivelmente violentos, como o MRTA e o Sendero Luminoso, aqui já citados, utilizavam táticas violentas de guerrilha para estabelecer áreas de influência nas cidades e no campo. Um claro exemplo desse “medo da esquerda’’ se faz presente na capital, Lima, onde, pelo fato de ter tido sua periferia dominada por grupos radicais de tendências socialistas e comunistas, hoje possui a maioria do eleitorado com ideais mais conservadores e muito ligados à figura do ex-ditador Alberto Fujimori, que, com seu neoliberalismo perverso, beneficiou as elites e os donos de negócios nas grandes cidades.

Conclusão

Portanto, após vermos a linha temporal e histórica da presença de governos esquerdistas e ditatoriais no Peru, resultando em Castillo, podemos levantar diversas questões em relação ao futuro do país. Como visto durante as eleições, taxadas como um cenário inédito de polarização e instabilidade política, a disputa entre a extrema direita e a esquerda resultou em um choque populacional. Esse choque é explicitado pela pequeníssima vantagem de Pedro Castillo sobre Keiko Fujimori.

Com uma vitória de Pedro Castillo, podemos nos perguntar se o mesmo manterá sua postura moderada, como apresentada no segundo turno, ou se será o surgimento de uma nova onda nunca antes vista na história do Peru. O questionamento popular em cima dessa incerteza recai na questão sobre a mistura de um líder marxista conservador ser capaz de atuar no governo de forma a estabilizar a política peruana, mesmo sendo sua forma de governo não tão diferente de Keiko Fujimori. De qualquer maneira, é certo que o caminho político peruano ainda é longo e as conquistas sociais ainda devem superar obstáculos para serem consolidadas. Talvez esse seja um começo, mas pode ser que as elites, ainda fujimoristas, se mantenham como dominantes no quadro político do país.

Com a vitória do partido Peru Livre, ligado à esquerda latina, nas eleições de 2021, representados pelo professor sindicalista Pedro Castillo, derrotando o partido de direita Força Popular, o Peru passa a ter novas perspectivas de mudança com o que pode vir a ser seu primeiro governo de esquerda. Para avaliarmos o contexto político em que o Peru se encontra atualmente, revisitamos seu histórico de governos e líderes que contribuíram de forma significativa para o estado no qual o país se encontra atualmente, buscando entender os motivos pelos quais a esquerda jamais obter de fato êxito e a razão pela qual as eleições de 2021 quebraram este paradigma.

A esquerda histórica

A esquerda peruana organizada, por assim dizer, ganhou espaço na história política do país já no início do século XX. Após um grande período de estabilidade, que durara do fim do processo de independência até a década de 1920, deu-se início a um período autoritário, sob comando de Augusto Bernardino Leguía, eleito presidente do Peru. No entanto, com o surgimento da Grande Depressão de 1929, que se alastrou por toda a década de 1930, Leguía viu seu governo desmoronar, dando espaço a movimentos como a APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), um movimento político filiado à Internacional Socialista, que, após ganhar espaço na política peruana, se tornou um partido, hoje Partido Aprista, que, contou, por exemplo, com a liderança de Alán García. O embrião do que podemos chamar de uma ‘’esquerda essencialmente peruana’’ surgiu nesse período, rivalizando com as elites e com os militares, marcando as três décadas seguintes.

Nos anos 1960, tivemos o governo de Fernando Belaúnde Terry, um democrata que foi deposto por um golpe que originou a Ditadura Militar Peruana, que durou de 1968 a 1980, em um período no qual grande parte dos países latino-americanos viviam sob a mesma égide. Juan Velasco Alvarado foi o arquiteto desse golpe e governou de 1968 a 1975, colocando o Peru nos eixos de desenvolvimento sob os moldes capitalistas, com características progressistas, algo que não foi possível de observar nos outros países que viviam sob Regime Militar. Foi nessa época que houveram incentivos às convenções sindicais, movimentos sociais e Reforma Agrária. Com a deposição de Alvarado, veio o segundo período da Ditadura Militar Peruana, sob comando de Francisco Morales Bermúdez, que ficou marcado como o fim de todas essas conquistas populares, havendo repressão aos movimentos de trabalhadores e medidas tipicamente de direita liberal.

A radicalização e o terrorismo associado à esquerda

Com a democratização do país pós-Ditadura Militar, voltou ao poder o então presidente Belaúnde Terry, que, com a chegada da crise econômica, assistiu ao surgimento de movimentos radicalizados de viés esquerdista, tais como o Sendero Luminoso (PCP-SL) e o MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amarú). O primeiro, associado ao Partido Comunista do Peru, surgiu na década de 1960, com forte caráter maoísta e influenciado por grupos ideológicos de universidades. Apesar de já existir durante o Regime Militar, passou a agir de maneira mais incisiva após os anos 80, promovendo boicotes e ataques às seções eleitorais e recusando-se a participar do processo democrático. Além disso, sua área de influência era grande, abrangendo áreas rurais e urbanas, tais como as periferias da capital, Lima. Já o MRTA, fundado em 1984, era de orientação marxista-leninista e possuía um escopo de ação similar ao PCP-SL, com atentados, sequestros e grupos guerrilheiros nas cidades e no campo. Durante o governo de Alberto Fujimori, o movimento ocupou a embaixada japonesa no Peru, sendo um dos eventos mais marcantes da organização.

Sob os governos de Belaúnde Terry (1980-85), de Alán García (1985-90) e Alberto Fujimori (1990-2000), esses grupos enfrentaram fortes repressões, que contavam com violações dos Direitos Humanos, de maneira similar às outras Ditaduras latino-americanas do período. Foi principalmente a partir da regularmente reconhecida Ditadura de Fujimori que ocorreram as maiores violências entre as forças estatais e os grupos esquerdistas. A própria crise constitucional estabelecida em 1992 foi orientada por uma perseguição ostensiva aos chamados “terroristas domésticos’’ e por um amplo anticomunismo firme. O saldo desses conflitos foi de aproximadamente 70.000 vidas perdidas, de forças públicas e de rebeldes, o que foi, certamente, um dos maiores movimentos de guerrilha da América Latina.

Mais especificamente durante o período ditatorial de Alberto Fujimori, que compreende o pós-autogolpe em 1992, durando até o fim do governo em 2000, houve perseguição política e dissolução de algumas instituições políticas, como a FREDEMO, uma frente democrática fundada majoritariamente por jovens que gostariam de uma alternativa democrática para as eleições gerais de 1990. Outras medidas de censura aos opositores foram tomadas pelos fujimoristas, incluindo o exílio de Alán García, ex-presidente e líder da APRA. Seu primeiro mandato inclusive foi marcado por mais de 3.000 peruanos mortos por questões políticas. As eleições de 1995, por outro lado, foram um marco para a população do Peru, que começou a se despertar e reconhecer as barbaridades que vinham ocorrendo durante o governo, dando atenção às questões de liberdades individuais e de imprensa, principalmente. Além disso, surgiram acusações de possível criminalidade associada ao líder nipo-peruano, como foi o caso de um escândalo envolvendo o Serviço Nacional de Inteligência, que teria mobilizado o exército a favor de forças políticas fujimoristas, sendo o Peru o país no qual as Forças Armadas estavam mais politizadas na América Latina. Quanto aos movimentos de esquerda, é necessário ressaltar que foi durante o processo de autogolpe que o líder do Sendero Luminoso Abimael Guzmán foi capturado pelas forças policiais do Estado, o que gerou um processo de enfraquecimento da ação do grupo, passando a perder área de influência territorial para os ronderos e tendo seus principais líderes ou capturados ou mortos.

Pós-fujimorismo

No período após a Era Alberto Fujimori, assumiu Alán García, uma liderança socialista que inclusive já presidiu a Internacional, contribuindo para que a esquerda aprista fosse resgatada no cenário político peruano, mesmo após décadas de neoliberalismo ditatorial sob o fujimorismo, período no qual García havia sido exilado. Seu governo ficou marcado por poucas ações de fato esquerdistas, pois ele estimulou a assinatura de acordos de livre comércio além de atrair investimentos estrangeiros. A abertura comercial possibilitou que o Peru crescesse economicamente e que houvesse uma radical redução da pobreza, de 41% em 2006 para 27% em 2011. No entanto, uma grande decepção para seus companheiros da esquerda aprista foram os conflitos durante esse segundo governo de García nas questões socioambientais, onde se desenvolvia a mineração e exploração de hidrocarbonetos.

Após García, o esquerdismo brando permaneceu presente, agora, com o uso de fardas, sob Ollanta Humala. Fundador do Partido Nacionalista Peruano, Humala recebia apoio de lideranças populares da América Latina, como é o caso de Evo Morales e Hugo Chávez, além de se inspirar fortemente em Luís Inácio Lula da Silva, então presidente do Brasil. Um fato peculiar desse período é a união entre o militarismo e o esquerdismo, algo que, na América Latina parecia impossível, dado que a maioria dos países que tiveram Regimes Militares entre as décadas de 1960 e 1980 o viam bastante associado à direita e ao liberalismo. Porém, muito devido à dependência do Peru com o exterior, seu governo viu a aprovação popular despencar de 50% a 30%, em muito motivado pelos benefícios oferecidos à empresas mineradoras estadunidenses, além da ampliação da participação do setor privado na educação, dando uma sensação de “traição’’ aos ideais esquerdistas do país. Uma das poucas conquistas que realmente ajudaram o trabalhador médio peruano foi a elevação do salário mínimo ocorrida durante seu governo. De qualquer maneira, por muitas pessoas, principalmente por aquelas da elite fujimorista da capital Lima, o governo Humala foi visto como até mesmo mais corrupto que o de Alberto Fujimori, principalmente em razão da Operação Lava Jato, que, dentre outros políticos, descobriu repasses ilegais de verba a ex-presidentes peruanos, incluindo Humala e García.

A crise política e os movimentos de massa

A partir do ano de 2016, dada a vitória de Pedro Pablo Kuczynski (PPK) sobre Keiko Fujimori, desencadeou-se uma grande crise política que tem efeitos claros até os dias de hoje. Nesse período, a centro-direita foi vitoriosa nas eleições presidenciais mas não conseguiu a maioria dos assentos no Congresso Nacional, o que já abalava o início do mandato de PPK. Os escândalos relacionando ex-presidentes e até mesmo o próprio presidente em exercício abalaram a opinião pública e os congressistas, fato que resultou na abertura de dois processos de impeachment, que levaram Kuczynski à renúncia em março de 2018, fazendo com que Martín Vizcarra, o então vice-presidente, assumisse o cargo. Após conflitos com o legislativo e dificuldade para governar, Vizcarra, já em setembro de 2019, tentou promover a dissolução do Congresso peruano, cuja grande maioria fazia parte da oposição ao seu governo. Entretanto, em novembro de 2020, após diversas tentativas, o Congresso consegue destituir Vizcarra da presidência, com o processo de impeachment acusando-o de “incapacidade moral”. A partir daí, Manuel Merino, o então Presidente da Casa Legislativa do Peru assumiu o cargo, fato que gerou profunda insatisfação nos peruanos, que protestaram intensamente com uma mobilização de multidões nas principais cidades do país, fazendo com que o mesmo desistisse da presidência 6 dias após assumir o cargo, levando os congressistas a elegerem um novo líder do Executivo, no caso, Francisco Sagasti – membro do único partido que votou contra o impeachment de Vizcarra – com o objetivo de controlar a instabilidade política do país até o fim de julho de 2021, quando ocorreriam as próximas eleições presidenciais.

As eleições de 2021

A crise sem precedentes, iniciada de maneira mais forte em 2017, levou os peruanos ao cenário no qual haviam duas opções: o fujimorismo repaginado de “centro-direita’’ e um sindicalismo voltado para o trabalhismo, bastante ligado à esquerda latino-americana. O nome de um professor nascido em área rural pareceu agradar os peruanos quando foram lançadas as candidaturas, visto que ele liderava as intenções de voto por 20 pontos percentuais, segundo pesquisas. Pedro Castillo, muito ligado aos sindicatos, é conservador no campo social assim como Keiko Fujimori, mas suas propostas econômicas diferem bastante daquelas adotadas pelo governo Fujimori nos anos 1990. Como resultado de campanhas ostensivas contra o nome de Castillo, incluindo uma possível implantação do comunismo caso ele fosse eleito, fizeram com que Keiko diminuísse a distância, criando um segundo turno bastante indefinido.

No entanto, durante sua campanha, o professor reafirmou seu respeito às Instituições, à propriedade privada e ao Mercado. Membro de um partido pouco relevante no cenário político peruano, o Peru Livre, de viés marxista-leninista, afirmou categoricamente que priorizará investimentos massivos na saúde e na educação, além do combate à corrupção caso fosse eleito. A questão ambiental, contrário à exploração extrativista por parte de empresas estrangeiras, é ponto crucial de seu plano de governo, que pretende que essas empresas passem a investir parte de seu lucro no país. Por ter um passado nos sindicatos, como um homem de diálogo entre os professores e os congressistas, quer incentivar os sindicatos no Peru, algo que vem sendo esquecido pelos últimos governantes, sendo comparado por muitos estudiosos ao Evo Morales, ex-chefe de Estado da Bolívia.

Abordando um pouco mais o seu partido, o Peru Livre (PL), podemos constatar que é um partido criado em 2008, ou seja, bastante novo, que ainda não conquistou cadeiras no Congresso e pouquíssimos cargos executivos. O partido segue orientação mariateguista, de influência de uma liderança política e intelectual peruana, José Carlos Mariátegui, que, além de ter escrito vários livros sobre assuntos de filosofia e ciência política, fundou o Partido Comunista Peruano (PCP) e defendeu bastante as massas do país, analisando, dentre outras coisas, que o sistema “gamonal’’, utilizado pela Coroa Espanhola na época colonial, explorava os indígenas e os camponeses de baixa renda. Adotando o pensamento gramsciano, herança do mariateguismo, conseguem se distanciar de uma chamada “esquerda caviar’’ pois está focado na questão da miséria e da exploração dos trabalhadores, como a esquerda mais tradicional do início do século XX.

O resultado das eleições, apesar de definido, não é oficial, mas aponta vitória de Pedro Castillo, que inclusive já comemorou com apoiadores e disse ter vencido o processo eleitoral. Sua vantagem de apenas 41.000 votos em um país com 32 milhões de habitantes é questionada por sua adversária, que entrou com diversos pedidos na Justiça Eleitoral para que os votos sejam anulados. Além do temor de uma manipulação das eleições comandada pelos aliados de Keiko Fujimori, há também uma tensão presente nas Forças Armadas, que viu um grupo de militares assinar uma carta pedindo que o exército tome o poder para proteger a população de uma “ameaça comunista’’ representada pela vitória da esquerda.

Sua provável vitória explicita uma característica sobre a relação da população peruana com as principais forças de esquerda do país. Pedro Castillo não é associado à chamada “esquerda identitária’’, das pautas raciais, sociais e de gênero, presente em boa parte do

ocidente. Ele, ao contrário dessa ala ideológica, condena o aborto, o casamento homossexual e a eutanásia, em uma espécie de esquerdismo “conservador moralmente’’. Com a maior atenção dada às questões econômicas, de redução da desigualdade focada na ação do Estado, resgata as tradições já citadas no texto anteriormente, quando Juan Velasco Alvarado deu força aos sindicatos e à iniciativas de Reforma Agrária ou quando Alán García e os apristas assumiram o poder pré e pós-Fujimori. Fora isso, há também uma paranoia presente entre as pessoas – muitas vezes motivada pelas lideranças de direita – de que um governo de viés esquerdista estaria sempre acompanhado de um golpe que instauraria o comunismo no país, em uma relação às décadas de 1970, 1980 e 1990, quando os movimentos indiscutivelmente violentos, como o MRTA e o Sendero Luminoso, aqui já citados, utilizavam táticas violentas de guerrilha para estabelecer áreas de influência nas cidades e no campo. Um claro exemplo desse “medo da esquerda’’ se faz presente na capital, Lima, onde, pelo fato de ter tido sua periferia dominada por grupos radicais de tendências socialistas e comunistas, hoje possui a maioria do eleitorado com ideais mais conservadores e muito ligados à figura do ex-ditador Alberto Fujimori, que, com seu neoliberalismo perverso, beneficiou as elites e os donos de negócios nas grandes cidades.

Conclusão

Portanto, após vermos a linha temporal e histórica da presença de governos esquerdistas e ditatoriais no Peru, resultando em Castillo, podemos levantar diversas questões em relação ao futuro do país. Como visto durante as eleições, taxadas como um cenário inédito de polarização e instabilidade política, a disputa entre a extrema direita e a esquerda resultou em um choque populacional. Esse choque é explicitado pela pequeníssima vantagem de Pedro Castillo sobre Keiko Fujimori.

Com uma vitória de Pedro Castillo, podemos nos perguntar se o mesmo manterá sua postura moderada, como apresentada no segundo turno, ou se será o surgimento de uma nova onda nunca antes vista na história do Peru. O questionamento popular em cima dessa incerteza recai na questão sobre a mistura de um líder marxista conservador ser capaz de atuar no governo de forma a estabilizar a política peruana, mesmo sendo sua forma de governo não tão diferente de Keiko Fujimori. De qualquer maneira, é certo que o caminho político peruano ainda é longo e as conquistas sociais ainda devem superar obstáculos para serem consolidadas. Talvez esse seja um começo, mas pode ser que as elites, ainda fujimoristas, se mantenham como dominantes no quadro político do país.

BIBLIOGRAFIA:

BBC NEWS: Alan García, presidente da hiperinflação e redução da pobreza do Peru que cometeu suicídio em meio a um escândalo de corrupção. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-47965454

BBC NEWS: Três presidentes em uma semana: como o Peru foi da estabilidade econômica ao caos político. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54968428

BRASIL DE FATO: Eleições presidenciais do Peru 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/minuto-a-minuto/eleicoes-presidenciais-do-peru-2021

DW PERU: “¿Desde cuándo ser de izquierda significa ser comunista?”. Disponível em: https://www.dw.com/es/per%C3%BA-desde-cu%C3%A1ndo-ser-de-izquierda-significa-ser-c omunista/a-57188239

EL PAÍS BRASIL: Castillo afirma ser o presidente legítimo do Peru e acusa fujimorismo de tramar boicote à sua posse. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-16/castillo-afirma-ser-o-presidente-legitimo-d o-peru-e-acusa-fujimorismo-de-tramar-boicote-a-sua-posse.html

EL PAÍS BRASIL: Pedro Castillo, o professor rural que quer levar a esquerda de volta ao poder no Peru. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-05/pedro-castillo-o-professor-rural-que-quer-le var-a-esquerda-de-volta-ao-poder-no-peru.html

G1 – GLOBO: Eleições no Peru como Pedro Castillo se inspirou em Evo Morales, Rafael Correa e outros líderes de esquerda da América Latina. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/17/eleicoes-no-peru-como-pedro-castillo-se-inspirou-em-evo-morales-rafael-correa-e-outros-lideres-de-esquerda-da-america-latina.ghtml

G1 – GLOBO: População do Peru vai às urnas neste domingo para decidir novo presidente. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/06/populacao-do-peru-vai-as-urnas-neste-domin go-para-decidir-novo-presidente.ghtml


OPEN DEMOCRACY: O que aconteceu com a esquerda no Peru?. Disponível em: https://www.opendemocracy.net/es/qu-pas-con-la-izquierda-en-el-per/

REVISTA IDEELE: ¿Dónde está la izquierda?. Disponível em: https://revistaideele.com/ideele/content/%C2%BFd%C3%B3nde-est%C3%A1-la-izquierda

REVISTA MOVIMENTO: As eleições de 2016 no Peru e os desafios da esquerda peruana. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2016/10/eleicoes-peru-esquerda-frente-ampla/

RPP PERU: Alan García: Así dejó la economía peruana en su primer y segundo gobierno. Disponível em: https://rpp.pe/economia/economia/alan-garcia-asi-dejo-la-economia-peruana-en-su-primer-y-s egundo-gobierno-noticia-1192337

TELESURTV PERU: ¿Cómo fueron los 5 años del gobierno de Ollanta Humala?. Disponível em: https://www.telesurtv.net/news/Como-fueron-los-5-anos-del-gobierno-de-Ollanta-Humala-20 160329-0019.html USP.BR: Peru – Memória e resistência. Disponível em: http://www.usp.br/memoriaeresistencia/?attachment_id=68#:~:text=Esse%20processo%20dit atorial%20pode%20ser,Terry%20(1963%2D1968)

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