A imigração venezuelana em território colombiano na atualidade

A imigração venezuelana em território colombiano na atualidade

Por Beatriz Seabra, Hérika Freire e Julia Amoêdo

Nos últimos anos, a Venezuela tem enfrentado uma crise econômica, social e política. Segundo o Human Rights Watch, os venezuelanos têm deixado o seu país por diferentes motivos: falta de medicamentos e alimentos, dificuldade no acesso a serviços básicos, como saúde, repressão do governo, perseguições políticas, muitos casos de crimes violentos, hiperinflação etc. Com esse cenário estabelecido no país, muitos venezuelanos deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor, tendo como principais destinos na América do Sul a Colômbia e o Peru. De acordo com o Grupo Interagencial sobre Fluxos Migratórios Mistos (GIFFM), mais de 1,7 milhões de venezuelanos estavam morando na Colômbia em 31 de janeiro de 2021. Dentre esse grupo, aproximadamente 18.000 solicitaram o reconhecimento oficial como refugiados, o que os classifica como pessoas que correm algum tipo de perigo caso permaneçam no país, como perseguição política ou atentados. Esse processo, apesar de mais demorado, garante alguns direitos que os outros imigrantes, principalmente os ilegais, não têm acesso.

No entanto, a experiência do deslocamento migratório entre Colômbia e Venezuela deve ser historicizado. Até meados do século passado, mais especificamente na década de 1970 com o “boom do petróleo”, a Venezuela conseguiu se colocar em destaque no mercado internacional pelo seu crescimento econômico devido à extração da commodity, o que, de início, atraiu muitos colombianos para trabalhar na área. A partir dos anos 1990, houve uma queda na valorização do que havia se tornado a base da economia venezuelana. A principal estatal do ramo, a PDVSA, mandou embora cerca de 18.000 colombianos, antes empregados pela empresa. Somado à retração econômica, a instabilidade do governo de Hugo Chavéz e de seu sucessor, Nicolás Maduro, que passou a adotar um viés autoritário, levou – unido a outros fatores – a uma crise generalizada no país e a um consequente deslocamento de sua população. De início, o perfil dos que deixavam a Venezuela era formado por uma mão de obra mais qualificada, mas que logo atingiu – e com mais intensidade – as classes mais baixas que começaram a fazer o caminho inverso. Por abrigar uma fronteira de mais de 2.000 km com a Venezuela, a Colômbia tem se tornado o principal destino dos imigrantes. Em razão disso, pode-se dizer que o fluxo populacional entre esses dois países é histórico e intenso, sendo essa considerada a fronteira mais movimentada da América do Sul.

A Colômbia possui pontos de ingresso autorizados em sua fronteira com a Venezuela, áreas onde é possível fazer um controle de imigrantes que adentram o território. Por outro lado, mesmo com esses pontos, existem passagens não autorizadas por onde muitas pessoas cruzam ilegalmente, o que impossibilita ao governo colombiano ter o número total de imigrantes venezuelanos vivendo ali. Estima-se que atualmente, cerca de 300 pessoas por dia cruzam a fronteira de forma ilegal. Por esse motivo, desde fevereiro de 2018, o governo colombiano busca desativar esses pontos de ingresso não autorizados, com o intuito de possuir um maior controle fronteiriço.

Entretanto, é necessário apontar que essa fronteira não é tão pacífica, pois se constata inúmeros conflitos diplomáticos entre os dois países. E, mesmo com a drástica mudança de cenário na movimentação entre as fronteiras explicitada anteriormente e a saída dos venezuelanos, Nicolás Maduro – atual presidente da Venezuela – ainda possui uma posição defensiva na política interna e externa, na qual predomina a ideia de fronteira fechada. Os casos recentes de incursão de militares venezuelanos na Colômbia apenas demonstram esse pensamento. Em 2017, por exemplo, o então governador de La Guajira, Weidler Guerra, afirmou que cerca de 20 militares venezuelanos em motocicletas invadiram a região, o governo da Venezuela negou a acusação. Desde a eleição de Maduro, em 2013, a tensão entre Colômbia e Venezuela tem se intensificado. Mas o estopim ocorreu em 2015, quando o presidente venezuelano deportou mais de mil colombianos de seu país sem qualquer justificativa, fazendo com que começasse a ter uma presença institucional na fronteira entre os dois países. Cúcuta, capital do departamento de Norte de Santander na Colômbia, tem recebido dois tipos de imigrantes, os estacionários e os temporários. Os temporários vão à cidade em busca de alimentos mais baratos e medicamentos, movidos pela escassez de insumos no território vizinho. Já os estacionários são os imigrantes permanentes, que estão localizados nos municípios fronteiriços com Cúcuta, por ser um local estratégico em razão da proximidade geográfica. Ademais, a região, por possuir uma maior atividade econômica, acaba por oferecer trabalhos, especialmente no ramo informal, aos venezuelanos. Em contrapartida, também é onde há uma das maiores taxas de desemprego na Colômbia. Mesmo Cúcuta recebendo um número significativo de venezuelanos, conforme a Migração Colombiana, Bogotá, capital da Colômbia, ainda é o seu principal destino, abrigando cerca de 19,76% do total.

Um outro agravante nesse cenário que deve ser mencionado são aqueles imigrantes que tentam retornar para a Venezuela e aqueles que estão apenas de passagem na Colômbia com destino para outros países na América do Sul. Graças ao frequente fechamento das fronteiras devido às medidas de segurança sanitárias adotadas durante a pandemia para a diminuição do fluxo da entrada de pessoas, são forçados a continuar no país vizinho. Mesmo com o controle mais rígido no contexto pandêmico, entre março de 2020 e maio de 2021, o Grupo Interagencial sobre Fluxos Migratórios Mistos (GIFFM) estimou que 133.397 imigrantes conseguiram regressar à Venezuela pelos pontos de passagem oficiais.

Se fizermos uma breve análise dessa situação e balancearmos a condição de vida dos venezuelanos na Venezuela e na Colômbia, esse retorno é justificável. Tem de se pensar que ao deixar seu próprio país em busca de uma vida mais digna, os indivíduos deixam para trás a sua casa e possivelmente seus familiares, bem como estão indo viver em um local onde não estão familiarizados, um local estranho. No entanto, se, ao fazer isso – abrir mão do seu país natal – se encontram em uma situação tão ruim quanto, ou até mesmo pior, acaba por não fazer mais sentido fugir do seu próprio lar. Ademais, deve-se ressaltar que, ao entrar de forma ilegal pela fronteira, muitos venezuelanos fazem essa passagem a pé, o que torna o trajeto ainda mais difícil e perigoso. Isso seria mais um motivo para se pensar antes de imigrar ou até mesmo de continuar na Colômbia.

Assim, a principal consequência social e econômica é a inevitável adesão de uma grande parcela de venezuelanos ao trabalho informal na tentativa de possibilitar sua permanência nos países estrangeiros, onde trabalham sob condições indignas, baixos salários e alta exploração. Somado a isso, a situação pandêmica afetou significativamente essa economia informal, prejudicando principalmente os imigrantes no território colombiano. Embora os imigrantes preencham uma demanda de mão de obra para a realização de tarefas as quais exigem um grande volume de trabalhadores, como a prestação de serviços, muitos colombianos não são a favor disso. No artigo escrito pelo pesquisador Edgar Andrés Londoño Niño e publicado pela MigraMundo na coluna Fronteira Aberta, encontram-se transcritos diversos relatos de venezuelanos, dentre eles, o de uma jovem que expôs a situação social em que vive na Colômbia: “A maioria tem uma percepção negativa dos venezuelanos. Dizem que a gente chega a tirar o trabalho, que a gente trabalha por pouco dinheiro (…) mas é pela necessidade”. Niño expôs outros relatos que reproduzem a mesma imagem negativa com relação a quem vem da Venezuela. E conclui que mesmo havendo diversas iniciativas por parte do poder público para acolher a população imigrante, ainda há casos de xenofobia, como ataques a acampamentos venezuelanos, protestos contra a presença deles no país, insultos e perseguição. Outro depoimento acerca da condição de vida dos imigrantes pode ser encontrado no artigo “Migración venezolana Pandemia: de la ilusión a la desesperanza”, de Freddy León Blanco. A venezuelana Rosa María Ochoa Castro conta que: “(…) e os colombianos… alguns nos tratam mal, nos chamam de ‘venecos’ [palavra pejorativa dirigida aos imigrantes], começam a dizer grosserias; mas alguns são amáveis e ajudam bastante. Conheci mais colombianos amáveis do que os desrespeitosos.” Com esse relato, fica claro que, embora uma parcela da população colombiana continue praticando atos de xenofobia, a presença dos venezuelanos no país não é vista de forma negativa por todos. Muitos tentam contribuir para que a experiência no país estrangeiro seja um pouco mais confortável e humana.

Em fevereiro de 2021, o atual presidente da Colômbia, Ivan Duque, anunciou, diante a presença do alto comissário da ACNUR (Nações Unidas para os Refugiados), uma nova medida a ser implantada no país. Ela consiste na regularização de quase 1 milhão de imigrantes da Venezuela com a duração temporária de 10 anos, denominada como Estatuto Temporário de Proteção para Imigrantes Venezuelanos (ETPV). Além disso, há de se considerar que 56,4% dos venezuelanos que estão no território colombiano possuem uma condição migratória irregular e se encontram em situações extremamente precárias. Assim, o objetivo dessa concessão de proteção legal é inserir os venezuelanos, de forma legal, no mercado de trabalho colombiano, o que permitiria a eles trabalharem legalmente. Ademais, esse Estatuto garante direitos básicos dos imigrantes no país, bem como possui ferramentas jurídicas essenciais. Todavia, tal política não será efetiva sem o apoio da comunidade internacional e dos próprios cidadãos. Deste modo, o projeto visa ratificar uma política de acolhimento e flexibilidade migratória, além de ser uma “porta de entrada” para a oferta de serviços estaduais, como a vacinação. Essa medida vai funcionar da seguinte forma: aqueles que já estão legalizados deverão solicitar novamente a sua permissão de permanecer no país; os venezuelanos que entraram no país de forma irregular antes do dia 31 de dezembro de 2021 serão inseridos nessa regularização, bem como os que entraram legalmente durante os dois primeiros anos das novas medidas. No entanto, aqueles que não se registrarem nesse status temporário serão eventualmente deportados.

No dia 5 de maio de 2021, abriu-se a oportunidade aos venezuelanos, que querem legalizar a sua permanência na Colômbia, de se registrarem. Essa burocracia tem dois principais objetivos: O primeiro deles é dar a assistência humanitária a esses imigrantes para, assim, haver uma integração deles com a população colombiana; e o segundo é fazer um planejamento adequado das políticas públicas a esses estrangeiros.

Todavia, como foi discutido acima, nem todos os colombianos são a favor dessa integralização venezuelana no país. A população se encontra dividida. Uma parte está a favor do ETPV, com o entendimento de que deve-se impedir ao máximo a descriminalização e xenofobia. Por outro lado, há quem demonstre, através de protestos massivos e violentos, ser contra essa implementação. De acordo com o Departamento Nacional de Estatísticas (DANE), cerca de 35% dos colombianos não são favoráveis à regularização. Uma justificativa comum entre os que não apoiam a imigração é que os Venezuelanos estariam ali para cometer crimes, o que não se comprova pois, segundo o diretor da Migração Colombiana, Juan Francisco Espinosa, apenas 3,2% dos delitos da Colômbia são cometidos por cidadãos venezuelanos. Conforme o gráfico abaixo, publicado no EL PAÍS, a porcentagem dos colombianos contra a presença dos imigrantes venezuelanos vinha diminuindo significativamente. No entanto, com o início da pandemia – março de 2020 – o número de favoráveis caiu e o de desfavoráveis aumentou, também drasticamente.

A medida de incluir os venezuelanos é de relevante importância, já que o presidente da Colômbia anunciou, no dia 21 de dezembro de 2020, que os imigrantes venezuelanos não estariam incluídos no programa de vacinação do país, exceto aqueles que possuem dupla nacionalidade. Mas com o ETPV haverá o estímulo da política de acolhimento, inclusive para a vacinação, que é um serviço prestado pelo Estado. Em suma, se por um lado a Colômbia tem demonstrado alguns esforços na tentativa de acolher de forma humanitária os imigrantes venezuelanos que chegam em seu território, ainda que essas ações não façam o perfil conservador do atual presidente – que tem um histórico de relações instáveis com Órgãos Internacionais, como quando criticado a respeito da violência instaurada no país –. Por outro lado, os imigrantes que, por diversas condições financeiras, sociais e políticas não podem retornar à Venezuela, buscam se manter e às suas famílias na realidade pandêmica no país vizinho na luta por sobrevivência e garantia dos direitos. Pensar a imigração e as fronteiras que são ideologicamente construídas e reforçadas por um crescente nacionalismo que atinge a América Latina, é também se sensibilizar para a construção de uma política internacional que seja capaz de garantir os direitos e acessos básicos a qualquer pessoa que cruze o limite imaginado. É repensar o que é ser cidadão num mundo globalizado, num continente marcado por grandes desigualdades sociais, crises políticas e econômicas e, neste momento, por consequências trágicas de uma pandemia.

REFERÊNCIAS

BBC NEWS. Coronavirus en Colombia y Venezuela | “Crucé todo un país a pie para nada”: los venezolanos que intentan regresar a su país y cuyo gobierno ahora les restringe la entrada. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-52988879. Acesso em: 18 jun. 2021.

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HUMAN RIGHTS WATCH. O êxodo venezuelano: A necessidade de uma resposta regional a uma crise migratória sem precedente. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/report/2018/09/03/322039. Acesso em: 18 jun. 2021.

MIGRACIÓN – MINISTERIO DE RELACIONES EXTERIORES. Mostrando artículos por etiqueta: RadiografÍa de venezolanos. Disponível em: https://www.migracioncolombia.gov.co/tramites-y-servicios/tag/Radiograf%C3%8Da%20de %20venezolanos. Acesso em: 18 jun. 2021.

NIÑO, E. A. L. Migração, Cidades e Fronteiras: a Migração Venezuelana nas Cidades Fronteiriças do Brasil e da Colômbia . Espaço Aberto, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 51-67, 2020. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/EspacoAberto/article/view/29956. Acesso em: 18 jun. 2021.

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